PORTO GRANDE -Guarapari/ES
MIBRA - entrada de Porto Grande (foto +/-1940, ad)
Grafiti de Wally Almeida
Matéria de A Gazeta de 29/8/2015
Uma trama envolvendo negociações secretas, acordos internacionais, disputas políticas, corrupção e exploração de trabalhadores liga o balneário de Guarapari, no Espírito Santo, ao programa de produção de armas nucleares dos Estados Unidos durante e depois da Segunda Guerra Mundial. O pivô de tamanha disputa é justamente o patrimônio que mais tarde deu fama à cidade por suas propriedades medicinais: a areia monazítica, rica em elementos radioativos. Essa areia abastecia as pesquisas de projetos secretos criados pelo governo norte-americano para acelerar a produção de bombas atômicas, sobretudo no período da Guerra Fria.
A reportagem do Gazeta Online teve acesso a documentos dos governos brasileiro e norte-americano, pesquisas acadêmicas, notícias de jornais da época e fotografias de arquivos públicos, que comprovam o envio de areia monazítica de Guarapari e outros municípios capixabas, do Rio de Janeiro e Bahia para os Estados Unidos – além de França, Alemanha e Inglaterra – entre as décadas de 1890 e 1960. Muitas vezes o envio era feito a “preço de banana” ou de forma clandestina, declarada como areia comum para preencher o lastro dos navios.
Esse material, no entanto, é rico em tório, elemento radioativo muito visado em dois momentos da história: primeiramente usado para fabricação de luminárias a gás, exportada para a Europa a partir de 1890, e depois pela indústria nuclear na década de 1940, para desenvolvimento da bomba atômica.
Nesse caso, o tório virou alvo de cobiça internacional após a descoberta de que poderia ser produzido a partir dele Urânio 233 (U-233), elemento criado em laboratório e usado em reatores ou bombas atômicas.
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no acervo Instituto Jones dos Santos Neves
A BOMBA BRASILEIRA
A questão nuclear brasileira começou no primeiro governo Vargas e refletiu durante muitos anos o papel do Brasil como exportador de matérias primas em detrimento do desenvolvimento de produtos e tecnologias.Apesar do potencial nuclear das areias monazíticas de Guarapari ter sido descoberto por volta de 1890 por empresas estrangeiras, foi apenas em 1940 que o governo brasileiro começou a voltar a atenção para os recursos nucleares do país.
Neste ano foi firmado com os EUA um Programa de Cooperação para a Prospecção de Recursos Minerais que possibilitou a identificação de depósitos de areias monazíticas localizados entre São Francisco de Itabapoana (RJ) e Guarapari (ES).
Em 1945, foi assinado o primeiro acordo com os Estados Unidos, que previa um fornecimento de 5.000 toneladas anuais de monazita e que poderia ser prorrogável por até dez vezes.
Três anos depois, o Conselho de Segurança Nacional denunciou o acordo alegando que não havia nenhum retorno de benefício claro dos EUA em troca da monazita. As exportações foram interrompidas demonstrando o primeiro ato de preocupação do governo visando resguardar as matérias-primas nucleares existentes no solo brasileiro.
A Lei 1.310 de 1951, que criou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), estabeleceu o monopólio estatal dos principais minérios atômicos, proibindo a exportação de urânio e tório, a não ser por autorização expressa do governo.O CNPq, através do almirante Álvaro Alberto, propunha uma política nacional de energia nuclear com planos de produção de urânio enriquecido, construção de reatores e busca de apoio científico e tecnológico em outros países além dos Estados Unidos.
Os detalhes do acordo foram descritos pelo pesquisador Kurt Rudolf Mirow, no livro “Loucura nuclear: os enganos do Acordo Nuclear Brasil Alemanha”
Para o CNPq, o material radioativo só poderia ser exportado caso houvesse uma compensação específica: o material seria trocado por conhecimento tecnológico para a criação de reatores nucleares.
No entanto, essa demanda ia contra a Lei McMahon dos Estados Unidos, que protegia todos os conhecimentos associados à energia nuclear.
O almirante passou, então, a procurar e propor acordos com outros países que fossem mais vantajosos para o Brasil. Ele defendia, notadamente, uma cooperação com a República Federal da Alemanha, que estava pesquisando uma maneira alternativa de enriquecimento de urânio.
Assim, foi feito um acordo secreto com a Alemanha para instalação de três equipamentos de enriquecimento de urânio no Brasil, apesar da eficácia do método pesquisado pelos alemães estar longe de ser comprovada.Após a compra das máquinas e do treinamento de centenas de pesquisadores, a suspeita se confirmou: o processo por jet-nozzle É usado pelos alemães era altamente complexo, e totalmente inviável para os fins que o Brasil desejava.
Uma sabotagem também prejudicou os planos de Álvaro Alberto: contrários a qualquer acordo paralelo, os americanos conseguiram barrar o envio das centrífugas alemãs poucos dias antes do embarque para o Brasil.
A pesquisadora Tânia Malheiros, autora de “Brasil: A Bomba Oculta – O Programa Nuclear Brasileiro”, afirma que o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira do Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba.
A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o “esforço paralelo” dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor.
Para Marcos Tadeu, físico e pesquisador das areias monazíticas de Guarapari, o tório capixaba chegou a ser usado nesse esforço paralelo dos militares, mas se provou pouco eficaz e foi abandonado alguns anos depois.
A suspeita de que o Brasil trabalhava secretamente em uma ogiva nuclear tornou-se mais intensa na segunda metade da década de 1980. Uma série de reportagens da mídia nacional revelou aspectos secretos do programa atômico. Isso só fez aumentar os rumores sobre um possível teste nuclear brasileiro.
A maior comprovação do esforço para criação de uma ogiva nuclear, porém, só veio no final dos anos 80. O jornal Folha de São Paulo expôs a construção de instalações subterrâneas que “se prestam a testes nucleares diversos” na Serra do Cachimbo, no Sul do Pará. A área era militar, delimitada por decreto durante o governo Geisel. Na época o presidente José Sarney negou que o espaço fosse utilizado para esses fins.
Em 1990, porém, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Sarney contou que, ao assumir o governo, descobriu que havia instalações nucleares na Serra do Cachimbo.
Pouco depois, ele jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares e ordenou sua destruição.